quarta-feira, abril 08, 2015

Fragmentos de insílio

Então Sara ficou silenciosa e Pedro a vê-la.
Seguiu fazendo as coisas em silêncio e ele seguia olhando.
E assim foram dormir; os dois silenciosos a se perceberem.

quarta-feira, outubro 15, 2014

atelier d'écriture 1

Escrevo para explorar meus multiversos. Universos múltiplos, versos múltiplos. Para descascar camadas de mim mesma, alcançar lugares desconhecidos da minha criação. Escrevo porque são infinitas as possibilidades de reorganizar palavras e ideias e "possibilidade" é algo que me comove. Mudança é algo que (dizem por aí em mim) me instiga. Será?

Escrevo porque minha necessidade comunicativa urge. Talvez eu comunique mais fazendo do que dizendo. Mas escrever é dizer em silêncio. Pronunciar para mim mesma, para minha expressão primeira. Escrevo para me esclarecer, me obscurecer. Escrevo para me manifestar através de mim mesma, manifestar as muitas que sou, as muitas de mim mesma que crio neste mundo tão pequeno e tão grande.

Escrevo porque as coisas do mundo são inúmeras, porque às vezes (recentemente, com frequência) o silêncio é soberano a mim. De vez em quando eu reluto e sofro por isso. De vez em quando eu me submeto e aceito a ideia de não ser onipotente. Escrevo para relativizar minhas mentiras, que por serem minhas, são em mim verdades. É complicado. Os assuntos se misturam.

Escrevo porque existir não me basta.

segunda-feira, agosto 25, 2014

Envelhecida

Senhora vive em um quarto
encarando e analisando velhos quadros
molduras ocas, pregos abandonados

as unhas de Senhora sangram de tanto descascar
tintas papel de parede a própria pele
uma camada nova sempre revela histórias esquecidas

a infiltração s'expande, lágrimas cimentadas escorrem parede abaixo
Senhora deduz que o quarto esponjeou sua tristeza

de_coração feita com velas, panos de roupa
os olhos se perdem em jornais amarelados
rosas mortas, pétalas secas espalhadas no chão
Senhora se alimenta de tijolo
e dorme sobre o próprio corpo.

sexta-feira, agosto 22, 2014

Retrato talvez auto do artista quando sem idade



texto produzido para Caminhos Poéticos 2014

A menina partiu em direção ao não-saber, ao não-haver, ao não-ver ao não ver o que devia o que desvia. Iniciou sua jornada errante em um avião, em um gavião, em uma águia sem saber onde pousaria. E isso não é uma poesia.

Foi cair em terra desconhecida, desconcebida desconcebida? Botão direito adicionar ao dicionário botão direito ignorar repetição ignorar repetição...

Foi cair em terra desconhecida, desconcebida desconcebida? Sim, desconcebida. Caiu em si, caiu em ti, caiu em mi, caiu em fá, caiu e só. e não é sol. é só. caiu e só. caiu em si e só. caiu só em si. Quando caiu em si viu que estava só, que era só. não é um estado, mas uma condição de existência, desistência, desistessência desistessência? Botão direito adicionar ao dicionário botão direito ignorar repetição ignorar repetição... Quando caiu em si viu que estava só, que era só. não é um estado, mas uma condição de existência, desistência, desistessência desistessência? Desistir de ser essencial para si mesma. desistiu de ser - começou a não ser. Como é que faz isso? Não sei, quem fez isso foi a menina, não fui eu. Essa menina não sou eu. Aliás, nem sei porquê estou falando de mim.



Ei menina. Quê? Como é que faz? O quê? Para não ser? Não ser o quê? Não ser. Não sei. Como não sabe? Ué não sei, eu não sou, como é que eu vou saber?

Ela escolheu não ser e não sabe como faz? Então ela não é ou ela não sabe que não é? Qual é a diferença entre os dois? Ela se desconcebeu.



Recapitulando: partiu sem direção por não-caber. A menina partiu sem direção por não caber. Não cabia no cabide, deixou de caber na cabeceira, nunca coube na própria cabeça, não cabia nem no próprio corpo. Existia tão intensamente, se atualizava de si mesma o tempo inteiro, sobrecarregou o próprio recipiente e começou a transbordar, transcender, transentir. Se confundia com seu pensar e sentir, se fundia de tanto pensar e sentir, se fudia de tanto pensar em sentir. Até perceber que na realidade ela não é o que pensa e tampouco o que sente. Na realidade, desconcebida de si mesma, ela não é nada. Na realidade e na não-realidade, desconcebida de si mesma ela é tudo.

Ela é a textura esquisita na queimadura na língua; o tornado que se cria pelo bater de asas de uma borboleta qualquer; o segredo que cada gota de chuva carrega em seu DNA e que ninguém saberá; o cheiro da lua que pessoa alguma jamais imaginou; a distância entre o relâmpago e o trovão, aquele choque interno que reconfigura idéias e vidas quando o trovão reverbera no próprio peito; ela é a máscara por trás da máscara por trás da máscara por trás da máscara; ela é o incolor sombrio que pesa e arruína durante muito tempo, às vezes uma vida inteira, o corpo, a alma, os sonhos, o olhar de quem já foi sexualmente abusada. Ela é tudo, pode ser o que bem entender, mesmo preferindo ser justamente o que não entende.  Ela é tudo, ela é o Todo, é toda, inteira, fragmentada. Inteira e fragmentada, porque o Todo é muito mais do que a soma de suas partes.



Nesta busca pelo autodesconcebimento se deu ao direito e ao esquerdo e a tudo que existir entre os dois de reperspectivar sua existência; isso é viver à beira do abismo.

Nesse abismo ela se lança aos poucos, ela se balança aos poucos, ela se dança aos poucos, em partes, em moléculas, átomos. Cada um de seus átomos vai com o vento. Decide, despede-se e vai, às vezes nem se decide, às vezes nem despede e só vai. Às vezes nem vai, às vezes nem átomo.



Caiu em si. As percepções se interceptando. Interpercepções. Interperceptando. Quando ainda era, durante a vida inteira as sinapses de tempos em tempos se cruzavam nas avenidas do perceber. Letras, cores, pedestres, avenidas, números, sensações, motoristas, semáforos, sons, gostos, ciclistas, buzinas, cheiros, dias da semana, acidentes de carro, memórias, ambulância, guarda de trânsito, trânsito, cruzamento. A lilás, B verde claro, C azul piscina, D bege... A escola ensinou: a gente tem cinco sentidos, visão, olfato, audição, paladar e tato. Visão, olfato, audição, paladar e tato. São cinco formas de perceber o mundo. E cor de gelo, G cor de vinho. O R, por exemplo, incrível como uma letra cor de grafite vira laranja com um simples risco. Número 2 vermelho sangue, número 6 cor de pele. Ninguém sabe, mas todo aniversário, 2 de junho, ela se cria uma nova cicatriz. Ritual de auto-aceitação, auto-criação, auto-mutação. Ver os sons, por vezes senti-los no próprio corpo. Quando tem alguém perto mastigando e saboreando mais o barulho do que a comida, uma fisgada forte no rim direito; ouvir uma flauta transversa é sempre azul, claro que os tons variam; uma vez queimou uma tela porque a cor predominante era a angústia.



Mas a sua estrutura sinestésica é infinitamente mais complexa do que isso, os diferentes planos e dimensões da consciência se cruzam, se interferem. Sonhos, dúvidas, sensações, idéias, medos, escolhas, memórias, respostas, intuições, sensações estão constantemente se destruindo, encontrando (por busca ou acaso) novas relações entre si. Surgem relações entre conceitos e aspectos teoricamente incompatíveis, imiscíveis; é o cotidiano do apocalipse. Visão, olfato, paladar, audição e tato? E o resto, o gesto?

A interação com o mundo ao redor; perceber um espaço, um indivíduo. Olhar no olho desta pessoa e percebê-la enquanto ser humano, perceber um clima esquisito, o próprio corpo, a si mesmo! Perceber a si mesmo. Os próprios processos, as próprias mentiras; mais do que isso, as próprias farsas! Um forte em torno de si erguido em prol da própria segurança. Construído com ilusões, projeções do mundo e projeções no mundo. Engana aos outros sem perceber que maior do que qualquer trouxa, qualquer otário que se deixa levar por tanta mentira, é o sujeito em primeira pessoa. E ainda vem falar de amor? Vem falar de amor passando por cima do pilar básico, primordial que é verdade? A sensação de segurança é só uma ilusão pro ego cuja realidade é o isolamento.


Enquanto estiver feliz nesse contexto agradável, é importante lembrar que os sonhos só acontecem da janela para fora, ao jardim e além. O caminho do sonhar é a verdadeira riqueza do indivíduo. Uma trilha que começa com o semear de um sonho, regando planejamentos, cultivando realizações e colhendo a celebração. É um caminho que dá cor à vida cinza prevista pelas expectativas terceiras ou primeiras. Este caminhar acontece quando a gente permite, com autonomia e muita coragem (que é agir com o coração), manifestar a consciência para ressignificar as verdades. Só assim é possível mudar qualquer realidade, ressignificando. Dar um novo significado, um novo sentido a um sentimento, a uma ideia, a um sonho, uma relação, uma música, uma palavra. Essa ressignificação é o princípio da poesia. É pobre a concepção da poesia que se aplica só ao campo verbal. Abre! Expande a percepção. Talvez a ressignificação que requer mais coragem é a de si mesmo. Dos próprios hábitos, valores ou ideais. É isso que possibilita uma fênix. A partir daí, dessa noção de reperspectivar tudo aquilo que os sentidos tocam – e não são só cinco – realizar um sonho é muito mais possível, muito mais fácil. Essa busca de poesificar o viver sem fazer isso de forma romântica, sem tornar o mundo um conto de fadas tem se tornado cada vez mais constante. E obrigada, Hélio, pois a vida é mais real, verdadeira e viva quando trilhada por um caminho poético.

sábado, junho 14, 2014

páginas cinzas - fragmentos de insílio

Sentimento em espiral_

engolida em meus próprios devaneios, imersa neste caldeirão de não-saber.
um cinzeiro; restos de papel queimado e, quem sabe, algumas expectativas evaporadas pelo suor.
não há tomadas ou controles. há folhas e raízes: sol solo só. sob meus pés, pedaços de mim mesma. já não são mais eu. e isso não faz com que deixem de ter sido. decompõem-se em processo autodestrutivo - reconhecem a própria validade e já não é mais tempo de exercer esforço contra este tal processo de se desintegrar para reintegrar.

aspectos flutuantes de uma memória instável. um algo bem caótico e, me desculpem, sinto-me incapaz de traduzir tamanho caos.
despeço-me de quem sou na esperança de me reencontrar. cada camada eu penduro neste cabide prestes a desmoronar. contemplo-as como quem acena para o Titanic e, confesso, sei que não vão voltar.
naufrágio - elas ou eu? resquícios espalhados no fundo do alto-mar - quer mar mais baixo do que este?

minha vida é reconstruir ideias enquanto reposiciono palavras. a tinta da caneta se esvai por entre minhas veias. um inverno solitário em plena primavera.
porque olho cego também chora

japanese puzzle



I hear you silence
within this sound
and that noises
still towards the ocean
here and now could be nowhere
it wouldn’t matter

The colour of your breath
will never get off my ears
the taste of your eyes
is alive in my memory
and that gives me strength
to wait patiently

I wear your silence
every now and then
then and now and then
while these two pieces of sky
go through my chest
right in the middle of everything
and they make me nude
with no hands
right in the middle of everything
that I am

domingo, maio 25, 2014

Coices de um cavalo morto

Veio e olhou. Foi embora silenciado, sob efeito do medo.
Não sabia em que acreditar, não sentia sequer o ar entrando pelas narinas.
Buscava um lugar para se esconder.
Só encontrou o próprio corpo. Todas as armas que tinha não eram suficientes para dar fim à angústia, velha amiga do peito. A cor de sua alma já havia se acinzentado tanto quanto lhe era possível. Seus olhos eram opacos, lembro-me bem.
Eu e você... Por que insistir em algo que resiste por um fio? O perdão é a maior das dádivas.
Antes de te perdoar, preciso fazer isso comigo mesma.
Mais cedo ou mais tarde a gente se reencontra.
É melhor deixar ir e morrer. Quem sabe renasce?
Você está em ruínas.
Eu estou em cinzas, o seu fogo - que aquecia - me queimou de dentro para fora.
E já não posso mais me esconder de mim mesma.


Olho cego também chora

Cicatriz atravessando o rosto.
Um olho que chora lágrimas negras,
escurecidas pelo rancor e pelas memórias trágicas.
Palavras saem do mundo e alcançam o inalcançável.
Transforma suas dores em tinta.
Segue viagem sem saber aonde vai,
não quer chegar a lugar algum.
Se parar, os demônios do passado o encontram.
De qualquer forma, não tem medo.
Depois de tudo o que passou, seu único receio é a paz,
não acredita nela.
Nem ela nele.

quarta-feira, maio 14, 2014

[inverno astral]

recolhimento.

a arte de encontrar a plenitude da paz em si mesmo, o livre-arbítrio para escolher aonde plantar as próprias sementes de amor. estou inteira neste silêncio (não o temo mais, ele agora é parte da minha busca constante) e nesta ex-solidão; conto com a minha presença - eu e as outras de mim.

a riqueza dos detalhes somada à percepção da inteireza da coisa. as partes isoladas e o todo [que é mais do que a soma de suas partes]. um momento em que é crucial olhar para dentro com calma, deixar aflorar a intuição e perceber o caminho que construo a cada passo, a cada escolha e a cada atitude.

inferno astral saiu de moda no meu contexto. o maneiro agora é refletir antes da revolução sobre perdas e ganhos, balancear aprendizados e desafios e reatualizar o software para seguir em frente com força total. tá tudo interligado.
[e]s[t]ou flor, [e]s[t]ou nuvem, [e]s[t]ou arco-íris. [e]s[t]ou tempestade, [e]s[t]ou mistério, [e]s[t]ou vácuo.
para isso você tem que intuitivamente distinguir entre ser e estar - o que acontece na língua materna espontaneamente, porque com verbo "être" ou "to be" é bem mais difícil.

durma bem, bons sonhos.
e feliz novo dia!

terça-feira, abril 08, 2014

pour briser le silence

si je pouvais te dire tout ce qui se passe à l'intérieur de mon cœur
si je pouvais te montrer toute la beauté qui se manifeste dans mon sprit à chaque moment où tu souris
si je pouvais t'expliquer tout le mouvement qui m'arrive quand tu regarde mes yeux tranquillement et sans peur...

il n'y a aucune raison pour détourner ton regarde du mien
nous avons que des bons motifs pour profiter cet silence - il est un indice de que les mots ne sont pas suffises pour exprimer l'intensité du lien entre nous

si je pouvais te traduire la synesthésie, je m'utiliserai que des plus belles notes, des couleurs inconnues et des goûts vraiment singuliers.

mais je me sens pas capable de le faire...

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

O medo.

Desmancham ao vento
as palavras que me perseguem.
As verdades, eu invento.
as mentiras, me ferem.

É um muro de tijolo
erguido a foices e coices.
Cavalo bravo amarrado,
quase destrói o próprio corpo
porque não sente mais
algo novo.

Nem isso, nem aquilo.

As escolhas.
Sempre elas.

Cabem na palma da mão.
São maiores que o universo.
Compõem aquarela
de sabores clássicos.
Aquele gosto conhecido,
mas que a razão não nomeia.

Mudam tudo.
O percurso,
o fluxo,
o escuro,
o escudo.

Minhas escolhas me protegem de ficar parada.

Confissões

Contei às flores sobre as angústias do meu coração.
Elas, atentas, ouviram.

Contei às nuvens sobre meus sonhos mais sinceros.
Elas, inconstantes como eu, os levaram aos céus.

Contei às páginas em branco do meu caderno sobre meu medo das palavras.
Elas, em silêncio, me diluíram em sopa de letrinhas.
Fui engolida.